terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Vende Frango-se

Vende frango-se – Martha Medeiros

Alguém encontrou esta pérola escrita numa placa em frente a um mercadinho de um morro do Rio: "Vende frango-se". É poesia? Piada? Apenas mais um erro de português? É a vida e ela é inventiva. Eu, que estou sempre correndo atrás de algum assunto para comentar, pensei: isto dá samba, dá letra, dá crônica. Vende frango-se, compra casa-se, conserta sapato-se.

Prefiro isso aos "q tc cmg?" espalhados pelo mundo virtual, prefiro a ingenuidade de um comerciante se comunicando do jeito que sabe, é o "beija eu" dele, o "que vim aqui casa?" de tantos.

Vende carne-se, vende carro-se, vende geléia-se. Não incentivo a ignorância, apenas concedo um olhar mais adocicado ao que é estranho a tanta gente, o nosso idioma. Tão poucos estudam, tão poucos lêem, queremos o quê? Ao menos trabalham, negociam, vendem frangos, ao menos alguns compram e comem e os dias seguem, não importa a localização do sujeito indeterminado. Vive-se.

Talvez eu tenha é ficado agradecida por este senhor ou senhora que anunciou-se de forma errônea, porém inocente, já que é do meu feitio também trocar algumas coisas de lugar, e nem por isso mereço chicotadas, ao contrário: o comerciante do morro me incentivou a me perdoar. Esquecer o nome de um conhecido, não reconhecer uma voz ao telefone, chamar Gustavos de Olavos, confundir os verbos e embaralhar-se toda para falar: sou a rainha das gafes, dos tropeços involuntários. Tento transformar em folclore, já que falta de educação não é. Conserta destrambelhada-se. Eu me ofereço pro serviço. Quem não? Sabemos todos como é constrangedor não acertar, mas lá do alto do seu boteco, ele nos absolve. Ele, o autor de um absurdo, mas um absurdo muito delicado.

Vende frango-se, e eu acho graça é uma coisa boa, sinal de que ainda não estamos tão secos, rudes e patrulheiros, ainda temos grandeza para promover o erro alheio a uma inesperada recriação da gramática, fica eleito o dono da placa o Guimarães Rosa do morro, vale o que está escrito, e do jeito que está escrito, uma vez que entender, todos entenderam. Fica aqui minha homenagem à imperfeição.

6 comentários:

Anônimo disse...

Isso é uma crônica da Martha Medeiros!!!!!!!!!!!

Bianca Zanella disse...

Exatamente, o nome da autora está citado lá em cima, abaixo do título!

Lucão disse...

que ótimo e bem defendido o argumento.
é de simplicidade assim, desse comerciante, que a vida as vezes precisa pra ficar mais leve, mais bonita e menos rígida.

Bruno Bertoni disse...

Adoro a Martha Medeiros. Ela é genial!

Português Online disse...

Engraçado!!! eu nem havia percebido o erro já que todos os elementos gramaticais necessários na contrução da frase estão ali presentes, depois de reler é que percebi o "erro".
Ótimo texto reflexivo sobre a "gramática internalizada". Parabéns para a Marcia!!!

Talles Azigon disse...

Que bárbaro, somente uma alma de poeta para entender que não existe erro em língua, e que existe nesse mundo é pessoas de alma bem pequena, remoendo pequenos problemas como dia o Cazuza.